Há monstros no túnel

Este ano decidi dar um rumo diferente à minha vida e dedicar-me cada vez mais a fazer o que realmente adoro – ilustração infantil. Participei num concurso de ilustração e para isso dediquei-me verdadeiramente. Durante dois meses trabalhei todas as noites e todos os fins-de-semana na pesquisa, rascunhos, testes de cor, desenho final e, finalmente, pintura das ilustrações a guache.

Foi um processo altamente trabalhoso pois não tinha quase nenhuma experiência em guache, o que me ensinou muito sobre a técnica e as possibilidades. Complementei as ilustrações finais com algumas pequenas ilustrações a ecoline e adorei o resultado final.

Não fui a vencedora do concurso! 🙂 Mas aprendi muito e fiquei com estas ilustrações para enriquecer quem delas tirar sentido. Obrigada pelo apoio e carinho tão grande de todos, sempre. ❤

abcdefgh

As carpas

chara_lago

Tendo-se mergulhado até ao nariz no rio e ouvindo o embalo das algas, Chara fechou os olhos para escutar melhor. Ao fim de algum tempo pareceu-lhe ouvir vozes ao longe e concentrou-se.

“É como te digo. Eu não acredito nesse “mar” de que todos falam. Por mim, vou remar contra essa corrente e ver se descubro alguma coisa.”

“Mas tu estas doido, certamente” ouviu-se dizer outra voz. ” És um peixe! Porque haverias de fazer tal coisa?”

Chara percebeu por fim que dois peixes conversavam por baixo do seu nariz. Manteve-se imóvel mas nenhum deles pareceu reparar nela. Não era habitual ouvir peixes a falar e isso fê-la sentir-se confusa. Sorriu e voltou a fechar os olhos.

Quem falou foi a primeira voz.

“Como sabes que vamos para esse “mar” de que tanto falam?”

” Amigo, tu costumavas ser um tipo introspectivo…” disse o outro abanando a cabeça. “Não sei o que te aconteceu”

“Continuo à espera da minha resposta.”

“E porquê a pergunta?”

Disse o primeiro peixe – ” Decidi que não faz sentido continuar a nadar com a corrente para um lugar que nunca vi, “mar”! Pois se nem sei se existe. Nem tu sabes!”

“Não sei…mas acredito”

“Oh!” – disse trocista – Se eu acreditar que posso trepar uma árvore isso não faz de mim um esquilo! Ou faz?!”

O segundo peixe ficou em silêncio observando os bigodes a ondular. Por fim respondeu.

“Os peixes nadam com as correntes ou assim acho. E os rios vão dar ao mar, é como dizem! Se nadares contra a corrente vais ficar exausto e podes até perder-te e acabar num aquário se alguém te apanha!”

“Ha!”- o primeiro peixe disse trocista. ” Outro lugar do imaginário hídrico!”.

“Imaginando que tenhas razão…” começou o segundo – “O que esperas encontrar?”

“Absolutamente nada.”

O segundo peixe revirou os olhos. Parecia derrotado e sem argumentos. Por fim exclamou perdido – ” Um peixe que não quer ser peixe. Pois eu te digo que venhas comigo descobrir se o mar existe ou não. Se for uma fantasia estás sempre a tempo de seres esquilo…!”

“Oh mas enganas-te. Eu também não sei se esse “tempo” existe…”

 

 

As pedras

Uma figura pequena baloiçava para a frente e para trás, sentada no chão em cima das mãos. Era uma imagem possivelmente pateta.
Esta actividade parecia não ter nenhum propósito e, além do mais, uma pessoa pequena assim sentada no meio do passeio causa toda a espécie de inconvenientes.

“Que estás a fazer?” Perguntou o homem que parou para observar.
Chara parou de se baloiçar e olhou para cima encolhida. Tirou as mãos de debaixo de si, levantou-se hesitando e olhava agora as palmas das mãos distraída.

“Estou a sentir.” Respondeu por fim.
“Como assim?” Explica-te!” Exaltou-se o homem. Parecia irritado.
“Nas mãos tenho linhas. E agora também tenho marcas, das pedras onde me sentei.”
O homem estava exasperado e devolveu-lhe um olhar carregado e impaciente. Chara suspirou baixo e continuou.

” Estava a sentir as pedras e a pensar que, por muito diferentes que tivessem sido os caminhos por onde andei as pedras estariam lá, ainda assim, cobrindo toda a superfície da minha palma.”

Este homem não conseguia mais conter mais a sua frustração! Como um comboio a todo o vapor fervia, esbracejava blasfémias mas ainda assim conseguiu articular “Ora isso não é nenhuma grande constatação, sabias?!”.

“Não, não é.” Respondeu encolhida. “Nunca tive nenhuma grande constatação”

Com um ar triunfante o homem olhou esta pequena criatura de cima até baixo, medindo a pequena distância desde o princípio da cabeça até ao princípio do chão.

“Não percebo porque te dás ao trabalho de incomodar quem quer passar no passeio sem ter de parar para reparar nesta tolice!”

chara_no_passeio

As Bolhas

Para que servem os dias, para que serve pintar… Pinto para me levar a acreditar que sou o capitão desta embarcação que é o corpo e o resto que me leva.

Se pinto creio que não posso ser sovada pelas ondas, sem destino, errante num mar imenso de dúvidas, de vida. Em dias tristes pinto para mim, em dias felizes pinto para outros. As cores dos pincéis escolhem-se sozinhas e eis uma pista adicional de tudo aquilo que controlo.

Porém, os dias vão chegando iguais, um grande dia dividido por muitos, e num desses dias o compasso soluça. O que quis num dia igual manifesta-se num dia destes. Inesperado. Submersa no mar de cores entro numa bolha de ar com visão panorâmica. O mar é demasiado grande para estes olhos tão pequenos. Os meus pulmões expandem-se conscientes, por fim. Passaram dias infinitos a respirar sem a minha atenção, guiados pela sabedoria invisível que escolhe as cores dos meus pincéis.

Consigo ver todas as bolhas do mar à minha disposição, poderia fundir-me em qualquer uma delas. Tudo o que pedi está nas bolhas, à minha espera. Versões de mim em todos os ângulos e histórias, que beleza de cores! Os brilhos, a transparência! Será uma pintura?

Começo a acreditar que a minha bolha é, afinal, minha. Eis senão quando rebenta a bolha.

cabeca_lua” Andas com a cabeça na lua!”

cavalinho” Tira o cavalinho da chuva!”

camoes” Vai chatear o Camões!”

Frida Kahlo

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“Yo solía pensar que era la persona más extraña en el mundo, pero luego pensé, hay mucha gente así en el mundo, tiene que haber alguien como yo, que se sienta bizarra y dañada de la misma forma en que yo me siento. Me la imagino, e imagino que ella también debe estar por ahí pensando en mí. Bueno, yo espero que si tú estás por ahí y lees esto sepas que, sí, es verdad, yo estoy aquí, soy tan extraña como tú”.

Frida Kahlo

Imaginary friends

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“It may seem a little shy,

But it’s actually a nice guy;

Fine long claws, there’s a pair,

Very good to brush your hair.

In the nights when you can’t sleep,

It will slowly start to creep;

but don’t you think it means you harm,

It will only show it’s charm.

For it’s soft as a smooth bed,

Where you can gently lay your head.

And as you talk ’bout many themes,

You will slide into your dreams.”